Os 15 melhores começos de livros da literatura universal em PDF
A seleção percorre quase quatro séculos de literatura, de “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes; publicado em 1605, a “O Jardim do Diabo”, de Luis Fernando Veríssimo; publicado em 1988. Além das obras capitais de Veríssimo e Cervantes, integram a lista: “Moby Dick”, de Herman Melville; “Notas do Subsolo”, de Dostoiévski; “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa; “O Complexo de Portnoy”, de Philip Roth; “A Lua Vem da Ásia”, de Campos de Carvalho; “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J. D. Salinger; “O Amanuense Belmiro”, de Cyro dos Anjos; “A Metamorfose”, de Franz Kafka; “Anna Kariênina”, de Lev Tolstói; “O Ventre”, de Carlos Heitor Cony; “Lolita”, de Vladimir Nabokov; “As Ondas”, de Virginia Woolf; e “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez.
Moby Dick
(Herman Melville)
Chamem-me simplesmente Ismael. Aqui há uns
anos não me peçam para ser mais preciso —, tendo-me dado conta de que o meu
porta-moedas estava quase vazio, decidi voltar a navegar, ou seja, aventurar-me
de novo pelas vastas planícies líquidas do Mundo. Achei que nada haveria de
melhor para desopilar, quer dizer, para vencer a tristeza e regularizar a
circulação sanguínea. Algumas pessoas, quando atacadas de melancolia,
suicidam-se de qualquer maneira. Catão, por exemplo, lançou-se sobre a própria
espada. Eu instalo-me tranquilamente num barco.
Anna Kariênina
(Lev Tolstói)
Todas as famílias felizes se parecem, cada
família infeliz é infeliz à sua maneira. Tudo era confusão na casa dos
Oblónski. A esposa ficara sabendo que o marido mantinha um caso com a
ex-governanta francesa e lhe comunicara que não podia viver com ele sob o mesmo
teto. Essa situação já durava três dias e era um tormento para os cônjuges,
para todos os familiares e para os criados. Todos, familiares e criados,
achavam que não fazia sentido morarem os dois juntos e que pessoas reunidas por
acaso em qualquer hospedaria estariam mais ligadas entre si do que eles.
Notas do Subsolo
(Dostoiévski)
Sou um homem doente… Sou mau. Não tenho
atrativos. Acho que sofro do fígado. Aliás, não entendo bulhufas da minha
doença e não sei com certeza o que é que me dói. Não me trato, nunca me tratei,
embora respeite os médicos e a medicina. Além de tudo, sou supersticioso ao
extremo; bem, o bastante para respeitar a medicina. (Tenho instrução suficiente
para não ser supersticioso, mas sou.) Não, senhores, se não quero me tratar é
de raiva. Isso os senhores provavelmente não compreendem.
Grande Sertão: Veredas
(Guimarães Rosa)
Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de
briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo
do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha
mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso,
os olhos de nem ser — se viu —; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não
quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse
figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram — era o
demo.
O Complexo de Portnoy
(Philip Roth)
Ela estava tão profundamente entranhada em
minha consciência que, no primeiro ano na escola, eu tinha a impressão de que
todas as professoras eram minha mãe disfarçada. Assim que tocava o sinal ao fim
das aulas, eu voltava correndo para casa, na esperança de chegar ao apartamento
em que morávamos antes que ela tivesse tempo de se transformar. Invariavelmente
ela já estava na cozinha quando eu chegava, preparando leite com biscoitos para
mim. No entanto, em vez de me livrar dessas ilusões, essa proeza só fazia
crescer minha admiração pelos poderes dela.
A Lua Vem da Ásia
(Campos de Carvalho)
Aos 16 anos matei meu professor de lógica.
Invocando a legítima defesa — e qual defesa seria mais legítima? — logrei ser
absolvido por cinco votos a dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora
nunca tenha estado em Paris. Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um
par de óculos para míope, e passava as noites espiando o céu estrelado, um
cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor,
depois Ruy Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje,
quando me chamo.
O Apanhador no Campo de Centeio
(J.D. Salinger)
Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a
primeira coisa que vão querer saber é onde nasci, como passei a porcaria da
minha infância, o que os meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa
lenga-lenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com
vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além
disso, meus pais teriam um troço se contasse qualquer coisa íntima sobre eles.
São um bocado sensíveis a esse tipo de coisa, principalmente meu pai. Não é que
eles sejam ruins — não é isso que estou dizendo — mas são sensíveis pra burro.
O Amanuense Belmiro
(Cyro dos Anjos)
Ali pelo oitavo chope, chegamos à
conclusão de que todos os problemas eram insolúveis. Florêncio propôs, então,
um nono, argumentando que outro copo talvez trouxesse a solução geral. Éramos
quatro ou cinco, em torno de pequena mesa de ferro, no bar do Parque. Alegre
véspera de Natal! As mulatas iam e vinham, com requebros, sorrindo dengosamente
para os soldados do Regimento de Cavalaria. No caramanchão, outras dançavam
maxixe com pretos reforçados, enquanto um cabra gordo, de melenas, fazia a
vitrola funcionar.
A Metamorfose
(Franz Kafka)
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de
sonhos intranquilos, em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava
deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça,
viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de
qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas
numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do
corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.
O Ventre
(Carlos Heitor Cony)
Positivamente, meu irmão foi acima de tudo
um torturado. Sua tortura seria interessante se eu a explorasse com critério —
mas jamais me preocupei com problemas do espírito. Belo para mim é um bife com
batatas fritas ou um par de coxas macias. Não sou lido tampouco. A única
atração que tive por livro limitou-se à ilustração de um tratado de educação
sexual que o vigário do Lins fez o pai comprar para nosso espiritual proveito.
Só creio naquilo que possa ser atingido pelo meu cuspe. O resto é cristianismo
e pobreza de espírito.
Lolita
(Vladimir Nabokov)
(Vladimir Nabokov)
Lolita, luz de minha vida, labareda em
minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em
três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os
dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e
quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir
os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada.
Mas em meus braços sempre foi Lolita. Será que teve uma precursora? Sim, de
fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo
verão, eu não houvesse amado uma menina primordial.
(Luis Fernando Verissimo)
Me chame de Ismael e eu não atenderei. Meu
nome é Estevão, ou coisa parecida. Como todos os homens, sou oitenta por cento
água salgada, mas já desisti de puxar destas profundezas qualquer grande besta
simbólica. Como a própria baleia, vivo de pequenos peixes da superfície, que
pouco significam mas alimentam. Você talvez tenha visto alguns dos meus livros
nas bancas. Todo homem, depois dos quarenta, abdica das suas fomes, salvo a que
o mantém vivo. São aqueles livros mal impressos em papel jornal, com capas
coloridas em que uma mulher com grandes peitos de fora está sempre prestes a
sofrer uma desgraça.
As Ondas
(Virginia Woolf)
O Sol ainda não nascera. Era quase
impossível distinguir o céu do mar, mas este apresentava algumas rugas, como se
de um pedaço de tecido se tratasse. Aos pouco, à medida que o céu clareava, uma
linha escura estendeu-se no horizonte, dividindo o céu e o mar. Então o tecido
cinzento coloriu-se de manchas em movimento, umas sucedendo-se às outras, junto
à superfície, perseguindo-se mutuamente, em parar.
Dom Quixote
(Miguel de Cervantes)
Desocupado leitor: sem juramento meu
embora, poderás acreditar que eu gostaria que este livro, como filho da razão,
fosse o mais formoso, o mais primoroso e o mais judicioso e agudo que se
pudesse imaginar. Mas não pude eu contravir a ordem da natureza, que nela cada
coisa engendra seu semelhante. E, assim, o que poderá engendrar o estéril e mal
cultivado engenho meu, senão a história de um filho seco, murcho, antojadiço e
cheio de pensamentos díspares e nunca imaginados por ninguém mais, exatamente
como quem foi engendrado num cárcere, onde toda a incomodidade tem assento e
onde todo o triste barulho faz sua habitação?
Cem Anos de Solidão
(Gabriel García Márquez)
Muitos anos depois, diante do pelotão de
fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota
em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de
vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas
diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes
como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de
nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo.
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