segunda-feira, 7 de junho de 2010

Os Enganos da Alma


Recomendado:
Os Enganos da Alma
João Paulo Sousa

[O livro de João Paulo Sousa nos traz uma experiência narrativa original, o texto desenvolvido em ritmo hipnótico, simulando o encadeamento do pensamento em seu tempo de construção do raciocínio - comparativo por escolha e eliminação, faiscante, ziguezagueante, no qual as idéias vão se sobrepondo em afirmativas, dúvidas, conclusões e nas mudanças erráticas de opinião.] [aqui]

“Não me mexi enquanto pensei tudo isto ou algo parecido com tudo isto ou talvez até mais do que isto, fora anoitecendo sem que eu me mexesse, sem que eu me conseguisse mexer, a noite apanhou-me sentado no sofá da biblioteca, na verdade eu é que me deixei apanhar, a biblioteca tem janelas suficientes para se perceber a luz exterior, para se perceber que anoitece ou amanhece, mesmo quando a luz eléctrica está acesa na biblioteca, o que era o caso, julgo que era o caso. Acabei por levantar-me e pus-me a andar para frente e para trás dentro da biblioteca, para frente e para trás não é exacto, ainda que seja costume dizer-se, pelo menos eu ando sempre para a frente e nunca ando para trás, ando para a frente quando vou e quando venho e não é por as direcções dos movimentos serem contrárias que devo dizer que ando para trás, afinal volto ao ponto de partida quando traço uma circunferência e não me lembraria de dizer que ando para frente e para trás quando traço uma circunferência. Isso significa que percorri várias vezes a biblioteca parando junto às estantes e junto às janelas, ora pegando num livro, ora pousando-o um pouco adiante, ora tentando espreitar pelos vidros e deparando com o meu rosto aí reflectido e com os livros e as estantes atrás e com a ramagem das árvores próximas a atravessar as estantes e os livros e o meu rosto.

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